Clique aqui para acessar as nossas redes sociais:
Nossa página do facebook

"Não tenha pressa. Mas não perca tempo". (José Saramago)

quarta-feira, 14 de outubro de 2015


“Eles sorriam para nós. Fotógrafos vinham tirar fotos (...) Enfeitaram o trem com flores. Atiravam dentro do trem balas, chocolates, doces e o que cada um possuía (...) Sinto uma alegria até o fundo de minha alma, liberdade, e as lágrimas escorrem feito chuva (...) Quando o navio aportou, começaram a estourar fogos de artifício festivos. Quase todos os habitantes (...) estavam ali (...) Entoaram o hino e nos aplaudiram com muita alegria (...) Alguns choravam conosco. Consolavam-nos, não entendíamos o que nos diziam, mas sentíamos que nos consolavam”.

O relato acima poderia ser de um refugiado sírio chegando à Alemanha, situação que a mídia tem mostrado com frequência nas últimas semanas. Mas essas cenas não são de 2015; elas aconteceram 70 anos atrás, em maio de 1945, quando judeus e outros prisioneiros foram libertados dos campos de concentração nazistas, na Alemanha e na Polônia, e levados para outros países da Europa, como Dinamarca e Suécia. 
As frases que abrem esta coluna são trechos do diário de Lili Jaffe, judia de origem iugoslava que foi prisioneira em Auschwitz e outros campos de trabalhos forçados. Quando foi libertada pela Cruz Vermelha, ela decidiu escrever todas as lembranças do que viveu durante os onze meses em que foi refém dos nazistas e na Suécia, onde passou algum tempo se recuperando. Em agosto de 1945, Lili voltou para a Iugoslávia e, algum tempo depois, já casada, veio para São Paulo, onde reconstruiu sua vida e construiu uma família.

O diário de Lili foi traduzido para o português e faz parte do livro O que os cegos estão sonhando?, escrito pela filha dela, Noemi Jaffe. Após uma viagem à Alemanha e à Polônia, para conhecer os lugares onde Lili ficou presa e “sentir o que não sabíamos”, Noemi escreveu a obra com a ajuda de sua filha Leda, refletindo sobre lembranças e esquecimento, sobre a estranha herança de serem filha e neta de uma sobrevivente da II Guerra Mundial.

A leitura de O que os cegos estão sonhando? nos faz pensar na atual crise de imigração. Pessoas que fogem de conflitos em seus países de origem, no Oriente Médio ou norte da África, e buscam, em outros lugares, a oportunidade de recomeçar a vida e retomar seus sonhos. Em muitos locais da Europa, encontram resistência. Mas os alemães, que há 70 anos submeteram outros povos a perseguições, humilhações e sofrimentos, hoje, em sua maioria, recebem de braços abertos aqueles que procuram refúgio.

Por mais tristes que sejam algumas partes da história, não podemos esquecê-las. É importante conhecê-las, estudá-las e lembrá-las. Muitas coisas se repetem, mas nós podemos buscar outros caminhos.